segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Grey's Anatomy/Anatomia de Grey


Não posso dizer que esta seja uma das minhas séries preferidas. Acompanho-a há vários anos e temos sempre tido, digamos, uma relação de amor-ódio. Penso que é aquilo a que se chama um guilty pleasure. Ainda tentei deixar de a acompanhar mas, uma vez que está constantemente em reposição na FOX Life, julgo que já vi praticamente todos os episódios emitidos pelo menos uma vez.

Apesar do nosso relacionamento complicado, a verdade é que Anatomia de Grey até tem sido uma fonte de inspiração para a minha escrita, sobretudo na parte mais emotiva dos meus livros. Sim, porque a série já abordou praticamente todos os tipos de relacionamentos entre humanos. Destaque para os relacionamentos amorosos, é claro - uma das críticas que já ouvi a esta série é a de que já toda a gente andou com toda a gente - mas também os fraternais, os familiares, etc. Explora também alguns conceitos relacionados com a vida real, que, em muitos dos caos, se entrelaçam com os problemas dos doentes - embora, nalguns casos, de forma algo rebuscada -  que fazem refletir e que me são francamente úteis na escrita. 


Um desses conceitos é, na minha opinião, o pilar na qual toda a série assenta: o debate carreira versus vida pessoal. Praticamente todas as variantes desta dualidade, todas as perspetivas são exploradas na série. Se os cirurgiões fazem aquilo por mera ambição pessoal ou para salvar vidas. O convívio da competição com a cooperação na relação entre colegas, estejam estes no mesmo nível ou em diferentes estratos hierárquicos. O facto de os grandes cirurgiões serem vistos pelos pares como heróis, apesar de os entres queridos não conseguirem ignorar a indiferença e mesmo o desprezo com que são tratados. A escolha entre fazer aquilo que se ama ou estar com a pessoa que se ama. Assemelhando-se um pouco ao debate de ficções como "Sobrenatural", o desejo de se marcar a diferença, de fazer algo com significado, de se ser extraordinário, contrastando com o desejo de ter uma vida relativamente mais fácil, uma família, um lar para onde regressar todas as noites.

Outro aspeto que me cativa na série é a parte da Medicina, pois frequento um curso de saúde. É claro que, à semelhança do que acontece um pouco noutras séries médicas, nem tudo é cem por cento realista. Algo que igualmente não me parece realista é o facto de os alegados melhores cirurgiões do país, ou mesmo do Mundo, estarem concentrados no mesmo hospital. Além de que, em Anatomia de Grey, quando tudo parece perdido para o doente, há sempre alguém com uma terapia inovadora - na vida real, sobretudo no nosso País, duvido que uma ideia dessas fosse exequível ou que sequer coubesse no orçamento de um hospital.


O problema da série é ter momentos em que se torna demasiado melodramática, como se quisesse, a todo o custo, arrancar lágrimas às pedras da calçada. A mim, pelo menos, tirando uns quatro ou cinco casos, tais cenas apenas me provocam impaciência pela lamechice toda. Também não ajuda o facto de muitas das personagens serem completa e irritantemente disfuncionais, negando até à loucura aquilo que sentem, chegando ao ponto de se rirem quando deviam chorar. Como uma das personagens, das mais secundárias, disse uma vez, não passam de "crianças com bisturis".

Além disso, enquanto algumas das reflexões em voz off no início e no fim dos episódios e certos diálogos das personagens podem, como exemplifiquei acima, fazer-nos pensar, não são raras as vezes em que se dizem banalidades disfarçadas de pensamentos profundos.


No entanto, quando não estão todos a chorar, a série tem momentos bem divertidos. Isto deve-se, sobretudo, ao contraste entre as diferentes personalidades. Tenho um punhado de personagens preferidas mas a minha favorita é a Dra. Bailey. No início, é-nos apresentada como a mentora rígida e autoritária dos internos recém-chegados ao hospital. No entanto, acaba por equilibrar bem o seu carácter autoritário com a afeição que nutre pelos doentes, pelos colegas e, em particular, o amor maternal que nutre pelos seus internos, até mesmo depois de eles concluírem o internato.


A série já teve oito temporadas, umas melhores do que outras. A mais recente foi, até ao momento, a pior. Não nos podemos queixar por aí além quando uma série começa a dar sinais de desgaste ao sétimo ou oitavo ano de vida - outras séries têm apresentado tais sinais bem mais cedo. De facto, Anatomia de Grey chegou a um ponto em que já não traz praticamente nada que já não tenha exibido antes. As frágeis tentativas de dar uma lufada de ar fresco à coisa - por exemplo, o episódio do "What If?/E se?" - não resultam. Perdi também a conta às vezes que revirei os olhos nesta temporada.


Um dos problemas desta temporada é o facto de alguns dos casais estarem na fase do "viveram felizes para sempre". Ora, a ficção assenta, não digo na infelicidade, mas nos problemas das personagens, nos obstáculos com que se deparam, nos desejos delas. Nota-se que os argumentistas da série andam com dificuldades em arranjar problemas a, por exemplo, Callie e Arizona. Na minha opinião, o casal lésbico já deu o que tinha a dar, já teve a sua atribulada história de amor com final feliz. Eu já as teria despachado. 


Outro caso desses, ainda que de maneira diferente, é o casal-centro de Anatomia de Grey, Meredith e Derek. Aqui, as fraquezas da história já vêm desde a temporada anterior: a história do ensaio clínico como tentativa de curar uma doença neurodegenerativa que termina quando um dos médicos o sabota a favor de um ente querido já tinha sido vista em House; a infertilidade de Meredith, então, é um tema batidíssimo em séries. Durante a primeira metade da oitava temporada, enrolaram a história da adoção até a custódia da órfã que querem adotar lhes cair do céu. E mesmo os problemas no casamento se resolveram sem grandes complicações.


Depois, existem linhas narrativas ainda mais fracas, nesta temporada. O caso de Cristina e Owen é um deles. Já se notava no fim da época anterior que o casamento estava condenado pelo simples facto de ele querer filhos, ela não e nenhum de ambos parecer disposto a ceder nesta matéria. A maior parte dos casais - incluindo um na mesma série - já se teria separado após a constatação deste facto. No entanto, a história de eles foi enrolada até ao infinito ao longo da temporada inteira. A partir de certa altura, sobretudo depois de ele a ter traído, ficava com vontade de lhes gritar: "Divorciem-se de uma vez, caramba!". O casamento não me parece ter salvação, tendo em conta tanto a discordância no que toca a filhos como a traição dele - há quem se divorcie por apenas um destes requisitos ou por ainda menos. No entanto, a oitava temporada terminou e nem sequer há certezas sobre se vai haver divórcio ou não. O que me parece ridículo.


Outro arco narrativo que também deixou bastante a desejar foi a relação de Lexie e Mark. O romance entre ambos tem estado on e off desde a sexta temporada, com ambos sempre incertos dos seus sentimentos, mesmo quando andam com outras pessoas, eternamente separados pela diferença de idades, por se encontrarem em fases de vida diferentes, por ele querer constituir família e ela não - olha, afinal são dois casais... Na oitava temporada, então, enrolaram ainda mais a história. Neste último ano, Lexie pouco mais fez do que suspirar por Mark, incapaz de se decidir se o quer ou não.

Acabou por não ser muito surpreendente a sua morte, no encerramento da temporada. Era óbvio que os argumentistas já não sabiam o que fazer com a personagem, portanto, adotaram a solução mais fácil. A morte de Lexie é um cliché em todos os aspetos - é claro que Mark só se lembra que quer uma vida com Lexie quando esta está a morrer!

Lexie era uma das personagens mais queridas da série, era uma das minhas preferidas, pela sua graça, pela memória fotográfica, pela teimosia que lhe permitiu estabelecer uma ligação com Meredith, mesmo depois de a meia-irmã ter deixado bem claro que não queria ter nada a ver com ela. Na minha opinião, merecia mais do que ter passado estas últimas duas temporadas fazendo pouco mais que suspirar por Mark.


Com tudo isto, ainda não sei se me darei ao trabalho de acompanhar a próxima temporada. O último episódio termina em suspense com o acidente de avião mas, para ser sincera, as pontas soltas não me interessam por aí além, não estou propriamente ansiosa por ver o que acontece aos sobreviventes. Isto porque duvido que aconteça algo que não tenha já sido visto em Anatomia de Grey: já antes se lidou com eventos traumáticos; já antes se lidou com a morte de colegas, amigos, parentes ou amantes; já antes se lidou com lesões comprometedoras das capacidades cirúrgicas. Só se, eventualmente, fizessem alterações no elenco é que a série ganharia fôlego. E mesmo assim... Na minha opinião, devia começar a pensar-se em encerrar a série. Já deu o que tinha a dar sobre o tema vida e medicina/cirurgia, duvido que, a partir de agora, surja algo de novo. 

A acontecer isso em breve, não terei grandes saudades de Anatomia de Grey. Pelo menos, não tantas como de outras séries, como Friends e House - como já mencionei acima, nunca coloquei Anatomia de Grey entre as minhas preferidas. No entanto, não duvido que sentirei uma certa nostalgia por mais uma boa série, à sua maneira, daquelas que já duram há uns anos, ter terminado.

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